Nos últimos dois anos e meio, a saúde tem estado permanentemente sob os holofotes mediáticos e políticos, nacionais e internacionais. Recorrendo a um léxico setorial, a prevenção não aconteceu: a Covid-19 não respeitou fronteiras e apanhou o mundo desprevenido. Já o diagnóstico às consequências socioeconómicas da pandemia é tão importante quanto o tratamento das vulnerabilidades estruturais da saúde pública, inevitavelmente agravadas por uma crise sanitária sem precedentes.
De um lado do barómetro, o País assistiu aos excecionais níveis de resiliência e superação dos profissionais de saúde no combate praticamente em exclusivo a um inimigo comum. Do outro, presenciou uma grave secundarização das restantes patologias, resultado de uma inevitável variação na oferta e de uma abrupta queda na procura.
Paralelamente, estes foram também anos de uma forte aceleração digital, a qual funcionou como um elemento amortecedor da forçada reorientação digital da sociedade e da economia em geral e do setor da saúde em particular.
Não querendo alongar este exercício em demasia, foquemo-nos na oportunidade criada por esta crise. Estamos perante um momento de recuperação e de reinvenção nacionais e as soluções a construir não podem ser limitadas, em momento algum, por dicotomias público versus privado.
É fundamental que todos os atores do ecossistema assumam um papel de protagonistas e contribuam proactivamente para uma transformação duradoura, sustentável e inclusiva. O verdadeiro teste do algodão é a criação de um sistema único capaz de servir todos os portugueses. E as estatísticas já conhecidas mais do que atestam esse imperativo.
Olhando apenas para a oncologia e a cardiologia, quase cinco mil cancros ficaram por diagnosticar em Portugal, entre março de 2020 e novembro de 2021, de acordo com o Portal da Transparência do SNS. E, os procedimentos de diagnóstico de doenças cardiovasculares – a principal causa de morte a nível mundial de acordo com a OMS – caíram quase dois terços durante a primavera de 2020, face ao período homólogo de 2019, segundo a Agência Internacional de Energia Atómica.
Só uma atuação estruturada e coordenada pode alterar este retrato e privilegiar o País detrimento de extremismos ideológicos. Aliás, o recente Decreto-Lei (n.º 52/2022) de 4 agosto, que aprova o estatuto do SNS, invoca a expressão coordenação entre unidades 21 vezes e atribui-lhe um artigo (32.º). Avancemos. Não hipotequemos o futuro da saúde.
Vasco Antunes Pereira
CEO da Lusíadas Saúde
Membro do Advisory Board da Universidade Europeia